Friday, October 06, 2006

Miguel


06-09-06


"Ahh, que merda de noite!", disse Miguel ao acordar.

O estúdio em que vivia permanecia na penumbra, com todas as cortinas corridas, sem o mínimo de luz. Era impossível de adivinhar que já era quase meio-dia dentro daquele apartamento. Apartamento esse em mísero estado: o papel de parede (às flores, daquele que se esperaria encontra nas paredes de uma viúva de 80 anos) começava a descolar, não tinha praticamente nenhuma mobília para além de uma velha aparelhagem, um colchão por cima das tábuas de madeira, improvisando uma cama, um armário velho, uma cozinha minúscula a um canto e uma casa de banho do tamanho de uma guarda-roupa. Era aqui que Miguel (Mike para os amigos) vivia nos últimos 4 anos.

Levantou-se lentamente. A sua cabeça pulsava e, embora nenhum som se ouvia, Miguel tapou os ouvidos, um gesto ritual ao acordar. Estranhamente hoje não precisava de o fazer, pois a Rua das Flores, a rua a que a porta de entrada do seu apartamento dava acesso, estava estranhamente silenciosa.
Miguel não deu importância a isto.

Sem abrir as cortinas com medo que a luz do sol lhe piore a já rotina dor de cabeça, este seguiu directamente à casa-de-banho aliviar a bexiga que parecia que ia arrebentar. Doeu-lhe enquanto urinava, mas não deu importância.

Depois, sem pressa, foi fazer algum café enquanto recordava a noite passada:Foi nos Maus Hábitos onde tocou o seu saxofone. Ele gostava de lá actuar já que o pessoal era porreiro e geralmente tinha bom gosto musical. O dono do sítio parece que era artista, ou já foi, o certo é que era um gajo porreiro que lhe oferecia as bebidas (demasiadas), para além de pagar bem por cada concerto! E a verdade é que ele merecia uma boa comissão, afinal era grande saxofonista e tocava bem as musicas de Morphine que constituíam o seu set. É certo que eram covers, mas eram boas, porra!

Fez o seu café e juntou-lhe algum leite que ainda tinha no frigorífico. Bebeu-o devagar para ver se lhe passava a dor de cabeça e começou a pensar no que ia fazer hoje: Havia um gajo que tinha estado no concerto de ontem e que tinha gostado daquilo que tinha ouvido. Disse que estava a precisar de um saxofonista para a banda sonora de uma peça de teatro que ia estrear no Carlos Alberto! Era a oportunidade de Miguel ganhar algum nome a fazer aquilo que gostava, para isso bastava ir à audição e mostrar aquilo que sabia fazer melhor.
Este pensamento fez com que a dor de cabeça praticamente desaparecesse.

Vestiu-se como se vestia normalmente: umas calças e uma camisa preta e calçou umas all-stars que tinha aos anos, antes de todos os putos as começarem a usar.

Desceu com cuidado a escadaria do prédio, já que o seu equilíbrio ainda não era dos melhores, mas o seu espirito era outro: estava definitivamente de bom humor, algo que já não acontecia à bastante tempo!
Saiu para a rua mas parou à entrada para acender um cigarro. Ainda tinha um pacote Camel consigo, tirou um, levo-o à boca e acendeu-o. Ainda teve tempo para dar umas baforadas até se aperceber da rua deserta que tinha perante si.